O CAROÇO DE SAPUTI
certamente
não caberia
falar de poesia
se
o poema
mal
começa
no alvo silêncio
do dia
tampouco caberia
falar de Teresa ou de Maria
se
a poesia
não cresce
entre
palavras
porque
certamente
não cabe
falar
do que
logo silencia
na pele
fria
na carne
vazia
caberia
- talvez -
falar de sexo
ou da pele macia
(entre versos
saputis
palavras)?
certamente
não caberia
caberia
talvez
falar de
seu cheiro
ou talvez
(ou talvez não
coubesse)
falar
de seus seios
como
dardos
que apontassem
para o céu
sei lá
(mas talvez
não coubesse)
ou talvez
coubesse falar
de seu queixo
ou
de sua boca
ou
de sua
pele
ou talvez
de sua voz
que floresce
ou talvez
não coubesse
mas
talvez
coubesse
falar do poema:
mas o poema
não nasce
como nasce uma folha de papel
ou como
uma árvore
nasce
ou como nasce
uma criança
- entre zincos, alumínios, pedaços de ferro, palafitas -
pois
o poema
não freme
nem arde
(mas denuncia
sua fome
diária)
porque um poema
- sozinho -
não detém
o avanço tecnológico,
a AIDS, a raiva
o crescimento demográfico
(o déficit público,
a inflação, o subdesenvolvimento)
nem pode
com palavras, rimas
fingir
que o ódio
não existe
que
a vida
não
apodrece pelas esquinas
becos
avenidas
sob as pontes,
viadutos,
marquises
da cidade
o poema
sozinho
não ilumina
o escuro
porque
o poema
sozinho
não elimina
o ódio
a fome
a revolta
que
nasce
e cresce
todos os dias
enquanto
o tempo
(indiferente
a tudo)
passa
mas o poema
faz sangrar
a ferida
o pus
deixa exposta
a cicatriz
o câncer
a impingem
- vísceras -
entranhas -,
no espaco
conciso
da palavra
mas
que adianta
escrever
um verso apenas
se o poema
não floresce sozinho
entre poucas palavras
e a poesia
não vale
sequer um átimo
de nosso tempo
perdido?
caberia?
certamente
não caberia
mas
(talvez)
coubesse
a poesia
voar
sobre os telhados
de Praga
ou de Viena
em
uma tarde
qualquer
em São Luís do Maranhão?
caberia?
talvez
não coubesse
ou talvez
coubesse
falar
da tarde
que ria
- no seio,
no sexo,
na vagina -
caberia?
certamente
não caberia
ou talvez
coubesse
falar
do que luzia
(ou do que
não luzia)
no rosto
de Teresa
na cara
de Maria)
caberia? (ou
não
caberia?)
certamente
não
caberia
mas talvez
coubesse falar
de amor
já que o amor não floresce
nem acaba
entre versos poemas palavras
embora adormeça
em algum ponto obscuro
da cidade
com seus esgostos a céu aberto
cadáveres apodrecendo à margem dos rios
jardins mangues terrenos baldios
embora a cidade
sequer desconfie
(entre ganidos ruídos de automóveis)
que a vida
(a mesma de sempre)
não mede apenas um metro e setenta
(alguns centímetros de quebra)
nem pesa somente cinquenta quilos
de pele ossos sangue lembranças
nem anda
a vinte quilômetros por hora
pelas ruas becos avenidas
de uma tarde qualquer
em São Luís do Maranhão?
Não,
seria
completamente
inútil.
não obstante
estou
com uma vontade terrível
de chupar tangerina
comer uva
beber a chuva
(o mundo
perdeu completamente o sentido
se não a vejo)
caberia
procurá-la
no vão da carne
pelo céu
da boca?
- caberia? -
certamente
não caberia:
mas
talvez coubesse
falar
do emaranhamento
de pêlos
da confusão
de dedos
(ou
da profusão
de carnes)
que
ardessem
e
se penetrassem
-
por não mais que um minuto -
dentro
do poema?
caberia?
certamente
não caberia
mas talvez
coubesse falar
da morte
que ria:
ou talvez
coubesse
falar
da vida
que ardia
(ou fedia?)
como
um escândalo
enquanto
ela cruzava
a esquina (short
lilás, bicicleta)
e eu
não sabia
que a tarde
se esvaía
à visão de seu corpo
que ia
(ou
de suas
curvas
nádegas
pernas)
e eu
não soubesse
que ela
sorria?
caberia?
certamente
não caberia
mas talvez
coubesse
ficar ali
(enquanto
ela
se afastava
l-e-n-t-a-m-e-n-t-e)
olhando para o dia
que
anoitecia
ruidosamente
detrás
de árvores
noites
poemas
(mãos
vazias
dentro
dos bolsos
das
calças):
porque
então
o poema
não nasceria?
(se
o sexo
tudo contém:
dedos
deuses
saputis
palavras?)
certamente
não caberia
mas talvez
coubesse falar
do delírio
ou
talvez
coubesse mais
falar do lírio
logo
abaixo
de
seu
umbigo?
certamente
não caberia
mas talvez
coubesse falar
da relva espessa
entre as pernas
ou
talvez
coubesse
falar
da flora
(entanto
tão delicada)
ou talvez
coubesse falar
de nada?
caberia?
porque
certamente
não cabe
dizer
o que
a boca
não diz
cheia
(pois
a boca
não fala
o
que
a
língua
sequer
escuta)
porque
certamente
não cabe
(com a boca cheia)
falar
o que
o verso
cala
(se
o que
é falo
não enche
a tua boca)
enquanto
a língua
em vão
pronunciasse
(para trás
ou
para a frente)
entre gengivas
lábios
dentes
uma secreta palavra
(que
acaso
enchesse
a
tua boca)
caberia?
certamente
não caberia
mas
que
adianta
depois
de tudo
não saber
explicar a morte
a merda
o poema?
certamente
não caberia
(como
uma ave)
o poema
voar
agora
que maio finda (ou
teria sido
abril?)
nem
mais
nem
menos
nem
como
nem
quase
(seria
ave?) ou
kami-quase?
caberia?
certamente
não
tampouco caberia
falar de amor
(já que o amor
acaba)
ou
- simplesmente -
destila
algo
na
pele
que
aliás
sequer viria
desatar-se no gozo
de um minuto
apenas
porque talvez
não coubesse
falar
dos olhos
lábios
pêlos
ou
das nádegas
boca
seios
-
caberia?
ou não
caberia?
talvez
coubesse?
e se não
coubesse
que
adiantaria? que
líquido
mágica
sopraria? que asa casa
que
ovo uva voaria?
nasceria?
aonde?
ainda?
onde?
certamente
não caberia
(ou
talvez
coubesse)
falar
o que
a boca
não cala
(se
a boca
sequer
murmura
um
ruflar
de asas?)
certamente
não
caberia
todavia
com tudo
não é tanto
não obstante
seria quase
afinal
tampouco
ou
talvez
não fosse
enfim
o poema
nasceria
ou
mesmo
não
além
do mais
é menos
porque
no fundo
não caberia
como se
um lance
de dedos dados
não
abolisse
o acaso
(caso
teu hímen
rompesse)
caberia?
e se
o poema
voasse?
e
se
pousasse
acima
das
casas
becos
bares?
e se
o poema
não voasse?
e,
se ele,
subitamente
pousasse
nos pentelhos
na vagina
aberta em flor?
que
aconteceria?
que
líquido
mágico
escorreria?
e
se
não
pousasse?
e se
ferisse
o vácuo?
o silêncio?
o ânus?
o abismo
de tua
boca?
que
aconteceria?
será
que
o poema
morreria?
ou
será
que
o poema
nasceria?
caberia?
ou não caberia?
(conquanto
fosse pássaro
ou ave?)
se
o poema
acaba
se
o amor
acaba
se
a
vida
acaba
se
tudo
mais
acaba?
e
não levarei
comigo
lembrança
cheiro
carícia?
Mas
talvez coubesse falar desta cidade
fagueira
que se estende
em ruas tão repletas de igrejas
casarões sobrados janelas
ou
talvez
coubesse falar dos jasmineiros
que fedem
ou talvez
coubesse falar daquele quintal
onde o corpo nu
se despia
de todos seus disfarces
(pudores sorrisos sutiãs calcinhas)
e atraía
o furor das abelhas
à procura de mel açúcar néctar
chocolate
ou talvez
coubesse falar daquele perfume
ou daquele cheiro
que seus mamilos exalavam
pela tarde
ou talvez
coubesse falar de seu sexo
que recendia a flor
ou a saputi
ou a mar
ou a maresia
ou ainda
de sua cintura
- que parece uma escultura
de Fídias ou Praxíteles -
onde a gravidade não é grave
mas engravida
a tarde
que apodrece junto a pés de bananeira
flores de laranjeira mangueiras
(manguezais açudes igarapés riachos)
e explode em todas as direções
como um cadáver
que tombasse
morto
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