A QUESTÃO DO COMÉRCIO POPULAR EM SÃO LUÍS

Cada vez que viajo para São Luís, minha cidade natal, retorno de lá com um sentimento de pesar e indignação muito grande. Espero, a cada viagem, encontrar uma cidade melhor, mais justa e humana, mais bela e salutar, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento humano em geral, com a diminuição da terrível desigualdade social que faz de São Luís uma das cidades mais segregadas do país.
Não conto, decerto, nenhuma novidade aos maranhenses que já estão acostumados com viagens para fora da capital maranhense, e com certeza comparam as cidades entre si, mesmo considerando as belezas naturais e a intensa vida cultural e importância histórica e arquitetônica da velha urbe ludovicense. No entanto, torna-se difícil ostentar orgulho ao ver o que acontece com o patrimônio histórico de São Luís, cada vez mais agredido e vandalizado, por um vasto complexo de fatores. Nesta crônica, por enquanto, vou me ater somente a um deles, que considero preocupante, em função da ampla negligência da sociedade civil e do gestor público.
Nos últimos tempos, tenho notado que tal vandalização tem acontecido muito em virtude de um comércio predatório que apresenta duas faces: a primeira, a ambulante, informal, composta de centenas, talvez milhares de pessoas que tentam sobreviver à crônica falta de emprego na capital maranhense, mas que se apinham nas ruas do centro histórico como um vespeiro desordenado, furioso, sem qualquer racionalização da ocupação do espaço público. A segunda face é a maneira desordenada como o comércio formal e legalizado ocupa os prédios históricos, descaracterizando-os e ameaçando-nos com a perda da identidade visual do centro histórico. Sobre este segundo aspecto do problema, ater-me-ei em crônica posterior.





Um dos resultados mais nefastos do comércio popular, sem qualquer ocupação racional do espaço público, vemos na ocupação irregular e absurda das estreitas calçadas onde mal passam os pedestres, nos becos que se transformam em corredores apertados, onde se espremem os camelôs, ambulantes de todo tipo, em uma cena que reproduz uma espécie de mercado árabe, mas com a inexistência de um espaço apropriado para esse tipo de comércio. É aí, onde começa o problema, que também principia a solução. O fato é que todas essas pessoas precisam trabalhar, e a cidade não oferece, de maneira efetiva, a quantidade necessária de empregos a uma multidão de pessoas frequentemente destituídas de qualificações técnicas e profissionais para o exercício de outra atividade que não esta. A solução não passa por simplesmente desobstruir o espaço público, em geral à frente dos comércios legalizados, que pagam impostos, e peremptoriamente privar os comerciantes de rua de suas rendas.




A solução está, obviamente, na racionalização de tudo isso, como outras cidades, Brasil afora, sobretudo capitais, já o fizeram. O gestor público, em mais uma prova de negligência e falta de visão do que deve ser feito para qualificar os serviços de uma cidade histórica e, portanto, turística, ignora olimpicamente a possibilidade de criar e construir mais espaços destinados a esse tipo de comércio, que são os shoppings centers populares, ou simplesmente o “camelódromo”. E não se trata do gestor público fazê-lo diretamente. Afora os espaços públicos, que já são destinados a fins semelhantes, mas que precisam ser recuperados, reformados, revitalizados, ampliados, é necessário ter em vista as parcerias com proprietários de grandes imóveis que se encontram vazios nos arredores do centro histórico. Há imensos galpões, espalhados por toda a cidade, que facilmente poderiam ser convertidos em pequenos, médios e grandes shoppings populares, divididos até em mezaninos, ou em andares, capazes de abrigar uma enorme quantidade de pequenos comerciantes de rua. Para isto funcionar, no entanto, o gestor deve procurar uma forma de não dificultar em excesso a vida do pequeno comerciante de rua, criando taxas e empurrando-o para a armadilha de aluguéis caros e abusivos. A solução, para isso, novamente, é o trabalho cooperativado, a criação de uma cooperativa de camelôs, artesãos e comerciantes de rua, a fim de incentivá-los a formalizar seus pequenos negócios sem, no entanto, onerar de maneira irracional e injusta o trabalho.
O que o gestor público pode fazer é muito simples. A parceria com os proprietários de imóveis deve ser feita com vistas a facilitar os aluguéis e contratos, de modo que um prédio, um galpão, possa ser ocupado por tempo indeterminado, com aluguéis acessíveis para as cooperativas e os comerciantes de rua, os camelôs, de modo que possam, proprietários e trabalhadores, chegar a um acordo justo para ambos. Isso quer dizer que os comerciantes de rua pagariam, individualmente, valores irrisórios e praticamente simbólicos que, no montante, permitiriam, a longo prazo, um aluguel rentável para os proprietários, o que desafogaria o gestor público de ter que construir e reformar cada vez mais espaços destinados a esse fim. Com isso, a cidade ganharia em racionalidade, pois as cooperativas de comerciantes populares seriam os agentes de fiscalização da própria atividade, impedindo que ambulantes sem registro disputem espaço com os legalizados e que, no lugar disso, ocupem os centros comerciais populares. Além disso, a cidade ganharia em beleza, pois as ruas estariam livres para as intervenções do gestor público, que assim poderiam partir para ações de embelezamento e ornamentação da cidade com fins a criar espaços públicos aprazíveis para o cidadão e para os turistas que afluem à cidade.





Todo esse arranjo depende, é claro, da boa vontade do gestor público, dos comerciantes de rua e camelôs, dos proprietários de prédios e galpões, de cidadãos dispostos a empreender um esforço coletivo para que a cidade possa racionalizar a ocupação do espaço público, e que nossas praças, passeios públicos e ruas possam ser finalmente destinadas ao exclusivo deleite, descanso e contemplação para que são feitas. Todas as cidades históricas do mundo, bem como qualquer outra cidade turística de características não-históricas, procuram racionalizar a ocupação do espaço público, a fim de que o turista encontre uma cidade aprazível, preservada, urbanizada, limpa, ordenada, para que, enfim, todos saiam ganhando com isso. O comércio, os turistas, os munícipes, a cidade, o espaço público, enfim. Todos poderão gozar dos frutos desse arranjo, pois São Luís tem o potencial de se tornar um dos locais de atração turística mais interessantes do Brasil, como já o são Ouro Preto, Olinda, Cachoeira, Salvador, entre outras cidades históricas que se dispuseram a isso.

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