A MORTE DO POEMA
I
Adianta compor um
poema
enquanto o dia
amanhece
(e o cadáver
rútilo do nada
esplende sobre o
tédio),
se o poema que
agora fazes
não é flor, mas
fezes, ânus
do que é talvez a
poesia
quando o mundo é
sede, fome?
Um poema se faz,
talvez,
de umas poucas
palavras
impossíveis de
qualquer
fala, pois que
surdas,
côncavas, mortas,
na página em
branco.
Ei-lo, tornado em
palavra
nestes escassos
versos.
Adianta, então, o
poeta
neste exercício
diário
desenrolar a
linguagem,
a língua do
poema?
Enquanto o poema
não nasce,
cavas a carne do
verso
cuja forma,
cristalina,
reluz, mas não
aquece.
II
Este poema nasce
destas minhas
mãos,
rudes e escassas
e, todavia,
limpas;
a palavra, exata,
suas formas exíguas
no exíguo espaço;
mas tão
concentradas,
límpidas,
concisas
(seu difícil
marfim
à flor da
língua);
ei-la, sem
dentes.
Este poema
líquido
te ensina o verso
cabral, lúcido,
claro,
à beira do
eterno.
III
Um poema não se
mede
com esquadro,
régua, papel:
não se constrói o
verso simples
com esta frágil
argamassa.
O poema não
nasce, cristal,
do áspero
silêncio da língua,
onde a boca,
difícil, aprende
sempre as mesmas
palavras.
Só se retira do
poema
aquela mesma
poesia, mínima,
que, entanto, se
quer diamante,
mas que,
impossível, não fica.
IV
Enquanto o poema
levanta-se do
caos,
pelo chão da
palavra
o dia não
amanhece.
Somente o verso,
inútil,
se detém à espera
que o véu da
linguagem
deslize no papel.
Mas o poeta não
pode,
apenas com duas
mãos,
iluminar o mundo:
a poesia não
basta.
Resta, pois, o
desespero
sobre a carne
lúcida
do primeiro verso
que nos reserva a
manhã.
V
Em mim o poema
não basta
para trazer vida
à palavra;
o verso que nasce
da língua
e desliza, sujo,
no papel
não basta para
que a poesia
em mim se faça
luz, linguagem.
O que o poema,
áspero, me ensina,
é sempre a mesma
coisa escassa
difícil de reter
na escrita,
que se quer dura,
mas hesita.
Enquanto a
palavra, imóvel,
tece seu frágil
vocabulário
o poema, na
página em branco,
mede o silêncio
das coisas.
VI
O poema não veio
fácil, como
antes,
trazer-me a
palavra
límpida e clara.
E o verso escrito
torna-se inútil;
o dia, invisível,
cresce e
multiplica.
Enquanto a manhã
leve, se
desenrola
(morto o poema),
a poesia morre.
Ricardo Leão
(Simetria do Parto, Editorial Cone Sul, 2000)
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